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DOMINGOS SÁVIO, CLEITINHO AZEVEDO E O ATAQUE À SEPARAÇÃO DOS PODERES

Bruno Silva Quirino

Assumo, lamentando, a missão de explicar como dois dos mais relevantes políticos de Divinópolis – o deputado Domingos Sávio e o senador Cleitinho Azevedo, aliados a outros – estão assumindo posições de ataque à democracia.

O Brasil escapou por pouco, muito pouco, pouquíssimo, de sofrer um golpe de Estado entre o fim de 2022 e o início de 2023. Há um sólido encadeamento de provas que fazem muito sentido quando postos ao lado das manifestações públicas, à luz do dia, do então presidente Jair Bolsonaro, seus ministros e assessores próximos. Todo mundo sabe, todo mundo viu.

Eu, que nasci nos “finalmentes” da ditadura militar e cresci sob a estabilidade da Constituição de 1988, acabei concluindo, recentemente, o quanto nossa democracia é jovem e frágil. É jovem quando comparada às europeias e à norte-americana; nasceu ontem. A fragilidade a gente vê quando descobre que ela só não morreu porque, entre dois comandantes das Forças Armadas, apenas um topou apoiar Jair Bolsonaro na perpetração do golpe após as eleições do ano passado.

Ocorre que o desejo autoritário, hibernando dentro de tanta gente, acabou acordando em algum momento. As pessoas passaram a se sentir autorizadas a expor preconceitos diversos, afinal, se o presidente da República chama negros de gado e diz que preferiria um filho morto a um filho gay, toda maldade é permitida.

Num Estado Democrático, quem perde as eleições reconhece a derrota, cumprimenta o adversário, faz oposição quanto aos quesitos que são contrários às suas ideias e se prepara para as próximas disputas nas urnas.

Vencidas as tentativas de golpe, a parte reacionária daqueles que não apoiaram o atual presidente resolveram fazer diferente. O candidato derrotado jamais admitiu publicamente esse fato, abandonou o governo no dia seguinte ao segundo turno e saiu do país no penúltimo dia de seu mandato.

Entra 2023 e os reacionários apontam suas armas para um inimigo criado: o Supremo Tribunal Federal. À parte diversas manifestações vocais, deputados e senadores passaram a agir de maneira muito mais perigosa, via propostas de emenda constitucional (PEC).

Curiosamente, uma delas foi relatada pelo deputado Domingos Sávio, na Câmara. A outra, quem colocou debaixo do braço foi o senador Cleitinho Azevedo. Ambas pretendem o mesmo: permitir que eles próprios e seus companheiros, deputados e senadores, ANULEM DECISÕES JUDICIAIS.

O destaque em negrito e maiúsculas é devido e até modesto, dada a gravidade das propostas. Vamos a elas:

PEC 50/2023 – Autor: Domingos Sávio (PL/MG) e outros

A ementa dessa proposta diz o seguinte:

“Altera o art. 49 da Constituição Federal para estabelecer competência ao Congresso Nacional para sustar, por maioria qualificada dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, decisão do Supremo Tribunal Federal transitada em julgado, que extrapole os limites constitucionais.”

PEC 56/2023 – Autor: Cleitinho Azevedo (Republicanos/MG) e outros

A proposta do senador pretende alterar o artigo 57 da Constituição Federal, fazendo constar o seguinte texto:

“§ 3º Além de outros casos previstos nesta Constituição, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal reunir-se-ão em sessão conjunta para:

(…)

V – conferir efeito vinculante a enunciado de súmula aprovado ou revisado pelo Supremo Tribunal Federal.

Por que eu digo que tais propostas são ataques à democracia? Vamos lá:

  • A separação dos Poderes é cláusula pétrea. Isso quer dizer que ninguém, nem presidente, nem juiz, nem senador, nem deputado, por mais likes que consigam em redes sociais, por mais que convertam os likes em votos, podem mexer.
  • A PEC de Domingos Sávio pretende transferir aos deputados e senadores a decisão sobre os limites constitucionais. Porém, esse é trabalho do Poder Judiciário. Alterar isso é quebrar a Separação dos Poderes. Ah, Bruno, mas o Judiciário não se mete no legislativo quando determina sobre a ilegalidade de uma lei? Respondo: não, pois esse é exatamente o trabalho daquele Poder.
  • A PEC do Cleitinho tem como objetivo retirar do Poder Judiciário a definição do que é Súmula Vinculante, ou seja, uma atividade típica do Judiciário. É outra ferida mortal na Separação dos Poderes.

Ambas as proposições são, evidentemente, inconstitucionais. Não tenho dúvida de que Domingos Sávio e Cleitinho possuem advogados qualificados o bastante para contar isso para eles. Ainda assim, eles se metem a assumir tais bandeiras, sabendo que obviamente, mesmo aprovadas no Congresso, seriam declaradas violadoras da Constituição. Portanto… pra que fazer isso?

Bom, considerando que eles não estão mal orientados por seus advogados e tampouco são estúpidos, será possível que Domingos e Cleitinho estejam apenas jogando pra torcida? Será que assumem as defesas de tamanhas barbaridades porque sabem que o eleitorado, em geral, não mergulha profundamente nesse tipo de questão, por mais importante que seja?

Eu duvido de uma segunda hipótese. Não posso sequer imaginar que Cleitinho e Domingos Sávio queiram mesmo violentar a Separação dos Poderes e, portanto, quebrar a estrutura democrática do Brasil. Ainda que eles tenham e ainda se mantenham abraçados a gente abertamente anti-democrática e golpista como Jair Bolsonaro… Sei lá. Espero que não.

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