Minas Gerais

Audiência Pública ouve pessoas atingidas por acionamentos acidentais de sirenes da mineradora Anglogold Ashanti

Os relatos sobre os alarmes que causaram traumas e pânico irão embasar as medidas do MPMG para que a mineradora seja obrigada a indenizar a população das comunidades prejudicadas.

Os danos morais causados à população das comunidades dos distritos de Brumal, Barra Feliz, Sumidouro e Praia, do município de Santa Bárbara, e a falta de informações e de estrutura da Anglogold Ashanti para reagir, diante de acionamentos acidentais de sirenes da barragem da empresa, relatados por moradores durante Audiência Pública realizada em Santa Bárbara, na Região Central de Minas, trouxeram elementos que irão embasar as próximas medidas que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) irá adotar na defesa dos direitos da população atingida.

Isso porque, a negociação com a mineradora para reparar individual e coletivamente as pessoas prejudicadas pelos acionamentos, não foi frutífera. As sirenes foram acionadas de forma acidental por quatro vezes entre 2019 e 2021.

Os promotores de Justiça Michel Henrique de Mesquita Costa, da comarca de Santa Bárbara, e Shirley Machado de Oliveira, da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos) da Região Metropolitana, ouviram os relatos dos representantes das comunidades de Barra Feliz, Praia, Brumal e Sumidouro, que permaneceram até o final da audiência, presencial, apesar do cansaço de um dia de trabalho, e do frio da noite de quinta-feira, 28 de julho, em Brumal, onde ocorreu a audiência.

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Abertura – Na abertura, o promotor de Justiça Michel Henrique Costa declarou a importância de ouvir a população e o papel do Ministério Público na defesa dos direitos violados.

Já Shirley Machado, que conduziu a audiência, explicou as obrigações propostas à empresa nas negociações visando à reparação dos danos, as quais incluem o aprimoramento do sistema de alerta, multa em caso de novos acionamentos, reparação dos danos individuais homogêneos e morais coletivos, estes revertidos em benefício da coletividade, para melhorar a condição de vida das famílias, além de equipe para treinamento estratégico de gestão restaurativa e consciência de traumas socioambientais. 

Durante a escuta da população, foi solicitado que o Ministério Público também olhasse para a violação dos direitos humanos decorrentes do comportamento da empresa, sendo destacado por diversas pessoas que a relação de “boa vizinhança” noticiada pela empresa não é uma realidade.

Shirley Machado lembrou que as lideranças continuarão sendo informadas, pelo MPMG, sobre as medidas que estão sendo adotadas, para serem repassadas aos demais moradores, e que é importante que eles continuem mobilizados, durante o processo. Ela disse, também, que, apesar desses problemas, a barragem da empresa não está enquadrada em nível de risco.

Relatos – Homens e mulheres – trabalhadores, pais e mães de família -, das comunidades de Barra Feliz, Praia, Sumidouro e Brumal, contaram ao MPMG como os episódios dos acionamentos acidentais causaram pânico e traumatizaram a população.

Foi informado, por diversas pessoas que, no terceiro acionamento, que ocorreu em um dia chuvoso, a situação foi ainda mais grave, sendo que crianças, cadeirantes e idosos, alguns deles acamados, foram transportados às pressas, de forma precária, até a zona de segurança, durante um temporal, sem qualquer ajuda da empresa, e orientados, apenas, por informações do grupo de whatsapp criado pelos moradores para esse fim, permanecendo por longo período na chuva. O quarto acionamento ocorreu no mesmo dia, quando as pessoas já tinham retornado para suas casas. 

Em seus depoimentos, por vezes emocionados, os inscritos na Audiência Pública destacaram a confiança no trabalho que o Ministério Público vem desenvolvendo em defesa dos moradores das zonas afetadas, e a importância de se manterem mobilizados e de participarem, na medida do possível, das discussões que vão embasar a atuação do MPMG.

Conforme um dos relatos, “se a sirene fosse real, moradores da parte de baixo do distrito teriam morrido, porque a sirene da área estava sem bateria e não funcionou”. “Então”, prosseguiu, “qual segurança a empresa fornece para nós, hoje? Eu não quero passar por isso nunca mais, esse foi o pior dia da minha vida. E após o que aconteceu em Brumadinho e em Mariana, não acredito mais em segurança de barragem”, desabafou.

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“Deposito toda a minha confiança no Ministério Público e na Justiça de que teremos resultados”, disse outro. “Coletivamente e individualmente temos direito a ressarcimento. Temos tantas carências, que, se vier projeto coletivo será muito bacana. Precisamos de creche, precisamos de vagas para acolher pessoas idosas, e essas empresas que exploram as riquezas, que poluem, que derramam agrotóxico, têm que saber que as pessoas têm direitos. Tem gente que fala assim: ‘ah, mas eles moram na beira do rio’. Gostaria de salientar que ninguém mora na beira do rio porque quer. Todo mundo gostaria de morar melhor, mas um lote bom custa muito caro; não damos conta de comprar. Não tenho nada contra quem tem dinheiro, mas a melhoria tem que vir para os mais carentes, também”, argumentou. 

Um morador da Gameleira lamentou a atitude da empresa de “achar que não aconteceu nada”, e afirmou que “é muito triste a empresa não sentir a dor do outro; gastar tanto com mídia, com propaganda, ter uma forma de mostrar para o mercado de investimento que é uma grande empresa, que ela faz o desenvolvimento pensando no todo, quando, na verdade, não é bem assim”.
Ele disse que estava prestes a fazer uma entrega e acabou desmarcando. “Tivemos que abandonar nossas casas às pressas e, se observar, do centro administrativo da empresa até o centro de Brumal, não dá 10 minutos, mas, mesmo assim, a empresa não ofereceu um carro para ajudar no transporte das pessoas”.

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Em seu relato, outra moradora disse que, devido ao trauma vivido, algumas crianças passaram a dormir de tênis, e que há mães mantendo as mochilas de seus filhos com roupas, documentos e algum alimento, “todos com medo de terem que sair correndo, outra vez”, disse.  

Já outro salientou que “foi um susto muito grande. Passei a depender de medicamento para dormir. Minha filha de 9 anos não queria voltar para casa. Meu pai passou mal. É muita violação dos diretos humanos! A mineração sempre existiu, mas é preciso ter reponsabilidade. Precisamos de plano de contingência, de políticas sérias. Tudo isso pode custar a vida da gente. Não queremos virar estatística, virar história”. 

Outro inscrito declarou que a água que desce da barragem, quando chove, já prejudicou e desvalorizou, muito, o imóvel onde ele mora, o único que ele conseguiu adquirir, com sacrifício, após muitos anos de trabalho. “Quando chove é uma tristeza, que já virou rotina, porque todo ano é isso e a gente fica pensando o que pode acontecer. A Anglogold dá emprego, mas traz muito dano, também. A gente fica feliz de saber que o Ministério Público está tralhando pela gente”. 

Alguns deles, que moram há décadas no distrito, se dispuseram a entregar ao MPMG imagens e documentos que poderão contribuir para comprovar as situações vivenciadas por eles.

Mobilização – Ao final, os promotores de Justiça ressaltaram que o MPMG concluirá as investigações e adotará as medidas cabíveis em busca da reparação dos direitos violados. 

Sobre as demandas envolvendo a segurança da estrutura, o MPMG informou que há outro procedimento da Promotoria de Justiça de Santa Bárbara sobre os fatos, sendo que os pleitos da população, sobre mais diálogo e clareza nas informações passadas às comunidades, além de melhoria de mecanismos já existentes, como as rotas de fugas, serão acompanhados naqueles autos. 

Como encaminhamento, a ata da audiência será registrada e uma cópia será encaminhada à comunidade. “Vamos informar às lideranças sobre as medidas que estão sendo adotadas”. 

Os promotores de Justiça reforçaram a relevância da participação das comunidades na construção coletiva dos caminhos a seguir, em busca da defesa dos direitos das pessoas atingidas por barragens, como prevê a Lei Estadual nº 23.795/21.

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Fonte: Ministério Público de Minas Gerais

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